Benvindos ao meu blog. Só mais um para aumentar a comunidade do blogger.
Como o tempo livre é muito e porque adoro ser irónico, (pois afinal de contas o tempo até nem é muito,
mas se o dissesse já não estava a ser irónico e, como acabei por dizê-lo à mesma, acabo por ser irónico ao afirmar que não o era)
é apenas mais um novo projecto na minha vida. Espero que gostem...

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Ano Novo, Blog Novo...

O ano é novo, sem dúvida, mas uma vez que ainda é Natal, pensei em reescrever um conto que criei há já alguns anos… Trata-se de um conto temático, com personagens famosíssimas resultantes da imaginação dos grandes génios criadores de histórias infantis! Daquelas que se ouviam no meu tempo – tenho que tomar cuidado se quero evitar saudosismos… Se bem que, contudo, um dos personagens é real! Toda a gente sabe que o Pai Natal existe...

O conto chama-se “A Bela e o Pai Natal” e trata-se de uma versão revisitada de uma história que escrevi quando ainda era adolescente para o jornal da associação recreativa da qual fazia parte na altura… Espero que gostem!

A Bela e o Pai Natal

CAPÍTULO I – Factos

ra a manhã da véspera de Natal. O frio na terra do Pai Natal aquecia o interior da sua imensa fábrica de brinquedos. Todos os ajudantes do velho barbudo trabalhavam incessantemente! Alguns nos últimos preparativos para a grande noite desse dia. Outros nas linhas de produção alternativas… Isto porque a fábrica de brinquedos, com mais de dois milhões de accionistas em todo o mundo, não produzia só brinquedos… Tinha também outras secções de produção responsáveis pelo fabrico e distribuição de auto-rádios, cereais para pôr no leite e pensos higiénicos… O avanço tecnológico e a necessidade de enfrentar uma economia competitiva obrigou a empresa do Pai Natal a expandir-se, abrangendo uma maior voz no mercado mundial. Não há como produzir bens associados a necessidades globais referentes ao ano inteiro: Compram-se auto-rádios o ano inteiro; comem-se cereais com leite o ano inteiro… E, a não ser que se combine um baby boom mundial e sincronizado, a fluidez de venda referente ao terceiro artigo está também assegurada durante o ano inteiro…

Encarcerado no seu escritório gelado, na sua casa (as paredes do escritório não eram forradas com lã de vidro), o Pai Natal permanecia sentado estupefacto à frente do seu computador pessoal de secretária. Algo o preocupava e deixava boquiaberto.

– Não entendo, iô, iô, iô… – murmurava ele – Este ano, iô, existem muitas mais crianças, iô, iô, iô que não sabem nadar, digo, que no ano, iô, passado… Não sei, iô, se tenho brinquedos para tantos meninos…

Nem a terrível notícia, nem o facto de estar só a murmurar, praticamente a pensar com os seus botões, impediam o Pai Natal de suprimir o irritante tique linguístico. Uma juventude moderna a florescer em todo o mundo obrigaram o Pai Natal a fazer seis meses de tratamento de terapia da fala para perder aquele riso antiquado que, como se não bastasse, ainda deixava as suas renas bastantes perturbadas. Mas o resultado foi desastroso: um riso semelhante, contudo mais hip hop, que surge do nada em qualquer altura ou em qualquer discurso.

Logo após o almoço (leite com cereais, vá-se lá saber porquê…), o Pai Natal montou-se no seu trenó e foi exercitar as renas. Elas tinham que estar em forma para essa noite. Assim que levantou voo, deu o seu grito habitual de boa sorte:

– Iô, iô, iô, oitenta cavalos de potência!!! – informava o Pai Natal sempre tendo presente mentalmente que cada rena equivale a dez cavalos aproximadamente – Embrulha, iô!

Deu a volta à Escandinávia, passando depois pela Polónia e pela panóplia de países ex-soviéticos, andando às voltas, até que fez escala na Sibéria onde foi visitar um velho amigo seu, o Coelhinho da Páscoa, que se encontrava na sua casa de férias na região de Tunguska onde, no início do séc. XX, caiu um meteorito enorme destruindo uma área de floresta considerável… O Coelhinho da Páscoa interessava-se por este tipo de assuntos… Adorava tudo o que se relacionasse com astronomia e física aeroespacial… De facto andava a tirar uma pós-graduação nessa área numa universidade bastante conceituada no Reino Unido…

O Pai Natal bateu à porta. Assim que o Coelhinho a abriu, o seu rasgo de felicidade por ver o velho amigo depressa se desvaneceu ao deparar com a sua feição tristonha.

– O que aconteceu, Pai Natal? Estás com um ar preocupado! – perguntou o Coelhinho.

– Tenho que desabafar contigo Coelhinho. Oferece-me um chá e convida-me para entrar, iô.

CAPÍTULO II – Um mal nunca vem só

s duas poltronas na sala da casa de férias do Coelhinho da Páscoa estavam completamente desajustadas uma vez que eram exactamente iguais…! Uma era demasiado grande para o Coelhinho e a outra era demasiado pequena para o Pai Natal que, desde Setembro, colocara em prática a sua habitual dieta rigorosa rica em lípidos e hidratos de carbono para uma noite de 24 de Dezembro bem passada e confortável no seu trenó descapotável.

– Tenho um problema Coelhinho, iô. Sabes…

– Onde estão os meus modos, Pai Natal? – interrompeu o Coelhinho – Queres um ovo?

Mas o problema do Pai Natal não era fome de ovos! Por momentos ainda pensou que esse seria um mal menor, mas não valia a pena conjecturar sobre estados de espírito alternativos…

– Obrigado, iô, pela tua hospitalidade Coelhinho, mas agora, iô, não quero ovo algum… Só, iô, quero…

– Tens a certeza que não queres um ovo, Pai Natal? Olha que é de chocolate… – voltou a interromper o Coelhinho. Mas o Pai Natal insistiu:

– Já te disse que não, Coelhinho! Iô, eu só queria…

– Eu sei! Eu sei! Os meus ovos não têm daqueles bonecos para montar lá dentro como aqueles que dão na televisão! Mas são óptimos!!! De facto têm uma percentagem de leite muito mais apropriada e são completamente artesanais… Sabes muito bem que sou eu próprio que os…

– Raios, Coelhinho! – e quem interrompeu agora foi o Pai Natal – Eu não vim aqui para comer ovos de chocolate… Eu só vim aqui para…

Nisto ouviu-se um apito estridente da cozinha. Era a chaleira que anunciava que a tisana estava pronta… Uma especialidade do Coelhinho feita à base de cascas de ovo com um toque de mel! Este deu um salto da poltrona e dirigiu-se à cozinha para tratar de servir o amigo Pai Natal.

– Eu vou lá buscar o chá – informava o Coelhinho – E trago também um ovo ou dois!

Enquanto via o amigo a correr para a cozinha, uma data de pensamentos passavam pela cabeça do Pai Natal: «Não sei porque é que ainda aqui venho, iô! Nunca consigo, iô, falar nada, iô, iô… Ou são os ovos ou é a chaleira… A chaleira estúpida, iô, que apita, iô, para anunciar, iô, que o chá estúpido, iô, está pronto! A especialidade do Coelhinho, iô! Grande coisa! O chá é bom, iô, é verdade! Mas toda a gente sabe que o ingrediente secreto do chá é…»

– Aqui está Pai Natal! – anunciou o Coelhinho que entrou de rompante na sala com um tabuleiro cheio de ovos de chocolate.

– Huh, iô! Coelhinho?! Só trouxeste ovos de chocolate? Então e o chá???

– Ah ah! Que estupidez… Esqueci-me do chá! Só trouxe ovos… Eu já volto atrás para o ir buscar…

O Coelhinho voltava à sua cozinha em busca da sua tisana especial e o Pai Natal, ao cruzar-se com mais meia dúzia de pensamentos, consciencializou-se que os seus problemas eram ainda mais graves do que o que tinha pensado: o tique linguístico afectava também os seus pensamentos…

– Pronto Pai Natal! Agora já nada nos interrompe! – dizia o Coelhinho enquanto servia o chá ao seu amigo e se preparava para voltar a sentar – Então conta lá o que é que se passa contigo, meu amigo! E come um ovito que te faz bem. Ou mergulha um no chá… Dá-lhe um toque fenomenal!

– Oh Coelhinho, iô! És um bom amigo! Mas eu só quero mesmo desabafar enquanto beberrico um gole ou dois de chá.

– Mas podes beberricar à mesma! O chocolate derrete-se!

– IMPORTAS-TE DE ME DEIXAR FALAR, PÁ???! IÔ! – gritou o Pai Natal já bem zangado – EU AQUI CHEIO DE PROBLEMAS E TU NÃO TE CALAS COM OS OVOS DE CHOCOLATE??? É OVO P’RA AQUI, É OVO P’RA ACOLÁ!!! EU ACHO QUE NÃO TENHO PRENDAS PARA DAR A TODAS AS CRIANÇAS DO PLANETA E A DISTRIBUIÇÃO É HOJE À NOITE!!! É ÓBVIO QUE, IÔ, NÃO VOU CONSEGUIR RESOLVER O ASSUNTO! E TU ESTÁS AÍ A CHATEAR-ME COM OVOS DE CHOCOLATE E A PERDER TEMPO???

O Pai Natal nem se apercebeu que, no seu acesso de raiva, tinha revelado, finalmente, o seu problema ao Coelhinho da Páscoa. E, por isso, sentiu-se aliviado! Mais ainda quando o Coelhinho disse:

– Ah ah, meu querido Pai Natal! É esse o teu problema??? E não sabes como o hás-de resolver?! Eu tenho a solução perfeita para ti!

– A sério Coelhinho? Diz-me depressa, iô! Diz-me que ainda vamos a tempo de salvar o Natal…

– Claro que vamos! Não te preocupes! Eu tenho a despensa cheia de ovos de chocolate. E eu já te disse como são bons para as crianças! Têm muito leite e… – e enquanto o Coelhinho descrevia mais uma vez a composição dos seus ovos e como eram benéficos para a saúde, o Pai Natal sonhava com o Coelhinho pendurado algures no meio do nada sobre uma multidão de ovos de chocolate famintos e desejosos por se banquetear com o seu amigo. Não era um pensamento digno de uma pessoa como o Pai Natal mas, por momentos, um sorriso esboçou-se na sua face – …sem borbulhas nos pés!

– Deixa estar Coelhinho! Eu resolvo o assunto sozinho… Tenho que me ir embora, meu amigo.

O Pai Natal bebeu o resto do chá num só gole, levantou-se da sua poltrona, esticou os ossos e dirigiu-se à porta da casa do Coelhinho. Não foi, no entanto, suficientemente rápido e acabou por ainda ouvir a pergunta:

– Queres levar alguns ovos à Mãe Natal? Tenho ali uns fresquinhos especiais para pessoas da idade dela!

– Obrigado Coelhinho, mas fica para a próxima, está bem? Agora tenho mesmo, iô, que ir embora! Obrigado pelo chá, iô, iô, iô!

Aliviado por se ver livre do Coelhinho, o Pai Natal abriu a porta para sair e olhou para o trenó estacionado mesmo ali à frente! Nisto os seus olhos petrificaram e a sua boca secou de repente enquanto assistia àquele horror que lhe iria marcar aquele dia para sempre.

– Oh! NÃO, iô! – gritou quase sem fôlego o Pai Natal.

O Coelhinho veio logo a correr:

– O que foi Pai Natal? Mudaste de ideias em relação aos ovos para a Mãe…

– As renas, Coelhinho! As renas! Congelaram! Estão completamente imóveis! Petrificadas, iô!

O frio da Sibéria não deu tréguas às pobres renas do Pai Natal! Até o nariz do Rodolfo estava cinzento! E o Pai Natal via-se agora com um problema ainda maior para resolver.

– Presta atenção Pai Natal! – sugeriu o Coelhinho – Eu posso derreter uns ovos de chocolate e talvez as renas descongelem se os beberem!

– Ouve lá, oh pá! – respondeu furioso o Pai Natal – Se elas estão congeladas como é que vão beber o que quer que seja?

O Coelhinho, no entanto, ficou entusiasmado e disse praticamente a cantar:

– Então bebemos nós!

E correu então para casa onde colocou todos os tachos que tinha no armazém ao lume.

Mais calmo, o Pai Natal, agarrou no seu telemóvel e contactou Neils, o seu ajudante pessoal e presidente do concelho administrativo da fábrica de brinquedos. Assim que Neils atendeu, o Pai Natal contou-lhe sucintamente o que tinha acontecido naquele início de tarde invulgar.

– Ena Pai Natal! Não consigo resolver o teu problema à distância – dizia Neils do outro lado da linha – Eu vou já ter contigo! Daqui a 20 minutos estou aí!

O Pai Natal desligou o telemóvel e olhou com muita tristeza para as suas renas. Todas elas eram suas amigas! E agora estavam ali. Congeladas. Frias. Duras como pedra. Sentiu-se impotente por momentos. Nada podia fazer, a não ser olhar para elas. Esperava ansiosamente a chegada de Neils. Aqueles minutos estavam a demorar horas e poderiam fazer toda a diferença. Seria ele capaz de salvar o Natal? E foi então que se comoveu. As suas glândulas lacrimais começaram a reagir.

Mas não acabaram a reacção! De dentro de casa surgiu aquela voz que lhe tinha arruinado o dia:

– Açúcar ou adoçante?

CAPÍTULO III – Grandes problemas requerem grandes soluções

Gulfstream 550 aguardava no hangar a 500 metros da casa de Neils. A sua velocidade cruzeiro de cerca de Mach 0,80 permitir-lhe-ia ir ao encontro do Pai Natal num abrir e fechar de olhos. Neils apressou-se e nem deixou aquecer os motores. Levantou voo.

Um quarto de hora depois activou o trem de aterragem especial, que ele próprio concebeu, para pousar em segurança na neve mesmo em frente à casa do Coelhinho da Páscoa. O avião estava todo modificado por Neils. Propulsores especiais, flaps especiais, airlerons especiais e o trem de aterragem “quitado” foram algumas das alterações que Neils fizera ao jacto que adquirira uns meses antes (o presidente do concelho administrativo da fábrica de brinquedos do Pai Natal tinha um bom ordenado!). Neils era um fanático por velocidade. O seu jacto tunning percorria milhas e milhas sem conta, tudo em prol do prazer de pilotar. As labaredas laranjas que sobressaíam da fuselagem da aeronave pareciam ganhar vida quando Neils rasava os seus observadores. Estes ficavam ainda mais entusiasmados assim que viam o cano de escape extra por baixo da cauda que, apesar de ter sido colocado só para dar nas vistas, era um autêntico íman de miúdas.

A porta da aeronave abriu e a escada articulada atingiu o solo coberto de neve. Neils saiu e foi ao encontro do Pai Natal e do Coelhinho que olhavam para as renas cada um com a sua caneca de chocolate quente nas mãos.

– Então boss? – introduziu Neils – O que raio se passa aqui?

– Vê com os teus, iô, iô, próprios olhos Neils! As renas… Congelaram… – respondeu tristemente o Pai Natal. O Coelhinho meteu-se também ao barulho:

– Vens com fome Neils?! Queres um ovo de chocolate?

– Não man! Ando a cortar nessas cenas, pá! Essa cena ‘tá cheia de sacarose, meu!

O Coelhinho virou-lhe as costas sem dizer nada. Entrou em casa e esbarrou a porta com toda a força que tinha. Claro que não fez lá grande barulho! O Coelhinho não tinha assim tanta força…

– O que, iô, iô, vamos fazer Neils! Tens alguma, iô, ideia?

– Só ‘tou a ver uma solução boss! Metemos as renas no meu jacto e vamos sair desta região gelada! Vamos, digamos, para… Sei lá! Para os trópicos ou assim…

– Muito bem, iô! Mãos à obra.

Enquanto o Pai Natal começava a transportar as renas para as traseiras do avião, Neils retraiu o trem de aterragem para colocar a porta do avião ao nível da neve (mais uma funcionalidade extra que Neils introduzira na sua obra de arte).

Eis que, no entanto, aparece o Coelhinho com um tabuleiro enorme cheio de ovos de chocolate para mostrar ao Neils:

– Estes aqui são sem açúcar! Tenho para todos os gostos! Se voltas a falar mal dos meus ovos de chocolate, nem sei o que te faço.

Neils e o Pai Natal cruzaram olhares desconfiados. Nunca tinham visto o Coelhinho da Páscoa tão irritado. No entanto, a rigidez do Coelhinho depressa se desvaneceu…

– Porque estão vocês a colocar as renas no avião?

O Pai Natal explicou então o plano de Neils ao Coelhinho:

– Vamos viajar, iô! Para um sítio mais quente do que, iô, este. Temos que descongelar as renas.

– Boa! – gritou o Coelhinho – Eu também vou! Esperem só um pouco que eu vou buscar mais uns ovos para o caso de serem precisos…

Enquanto o Coelhinho voltava a correr para casa para ir buscar mais ovos, o Pai Natal olhou para o Neils e questionou:

– Não "quitaste" o teu avião, iô, com mísseis nucleares, pois não? Dava-me jeito um agora…

CAPÍTULO IV – Descongelar lentamente a 30ºC e confeccionar com carinho

trem de aterragem do tipo B, equipado com pranchas especiais para a água, revelou-se na base do jacto particular de Neils. Da praia pôde-se ver a aterragem perfeita e, quando os motores pararam, as escadas articuladas saíram porta fora. De dentro do avião surgiram três figuras peculiares: um homem enorme barbudo e vestido de vermelho, uma criatura pequena e felpuda com umas orelhas enormes e um humanóide minúsculo e desengonçado com uns sapatos que não lembram a ninguém. A viagem demorara apenas algumas horas. Os propulsores especiais com que Neils “quitara” a sua aeronave permitiam-lhe atingir velocidades supersónicas suficientes para percorrer todo o hemisfério norte em apenas algumas horas.

– Bem, iô, iô, iô! O tempo está bom! Acho que podemos trazer as renas cá para fora! – dizia o Pai Natal enquanto observava o estado meteorológico à beira da praia onde haviam aterrado.

– Ena pá! Está tanto calor! Espero bem que os meus ovos não derretam!

Sempre preocupado com a qualidade dos seus ovos de chocolate, o Coelhinho da Páscoa olhava para o sol abrasador com algum receio. A temperatura do ar rondava os 30 graus centígrados.

– Então vá, people! – confirmava Neils – Vamos lá meter as renas na praia.

Após alguma cooperação, o Pai Natal e Neils retiraram todas as renas do avião, enquanto o Coelhinho colocava os seus ovos à sombra de um pedregulho a cerca de 50 metros da linha de água.

Não demorou mais de 20 minutos até as renas descongelarem totalmente. No entanto permaneciam pálidas e inconscientes.

– E agora, iô, iô, iô? Como vamos acordá-las? – questionava retoricamente o Pai Natal.

Neils, que habitualmente tinha solução para tudo, engoliu em seco e disse:

– Não sei, boss! Temos aqui um problema um pouco complicado.

– Oh, meus amigos! – disse o Coelhinho de rompante – Eu tenho a solução! Se colocarmos alguns ovos ao sol, derretemo-los! Depois será mais fácil fazermos com que as renas os comam! Aposto que acordavam logo!!!

Perante a falta de soluções alternativas, o Pai Natal estava prestes a render-se às soluções do Coelhinho, por muito que lhe custasse:

– Bem, iô! Nada mais há a fazer… Coelhinho…?

– Sim…! – respondeu a criaturinha felpuda.

– Importas-te de ir buscar alguns…

Mas o Pai Natal não chegou a terminar a sua frase. Ao longe todos depararam com uma velhinha que se aproximava com uma cestinha na mão. Completamente atónitos os três amigos aguardaram pacientemente que esta nova figura se aproximasse deles. O seu caminhar vagaroso revelava aos poucos uma face cheia de verrugas e uma corcunda com quase 90º de curvatura. Mas ninguém podia negar que, apesar do seu aspecto horripilante, as maçãs que transportava na sua cesta eram maravilhosamente agradáveis à vista desarmada.

– Boa tarde, meus filhinhos! – disse a velhinha quando finalmente se aproximou o suficiente – Vejo, pelas vossas caras que algo vos preocupa…

– Boa tarde, minha senhora! – respondeu o Pai Natal – Realmente estamos, iô, iô, perante uma situação um pouco complicada… Eu sou o Pai Natal, como já deve ter calculado.

– Sim, sim! Esse tique linguístico não deixa enganar ninguém! E tu meu jovem, – disse a velhinha dirigida a Neils – deves ser o famosíssimo Neils, o ajudante insubstituível do Pai Natal!

– Bem, minha! És muito perspicaz! Isso agrada-me bué!

– E tu pequenote? Quem és? – perguntou a velhota ao Coelhinho.

– Quem sou eu??? Estás parva ou quê? Eu sou o Coelhinho da Páscoa! – respondeu o Coelhinho com tanto orgulho na sua voz que quase ia rebentando – Sou eu que distribuo os ovos da Páscoa em todo do mundo. Sou mundialmente conhecido e os meus ovos são especiais! Sou eu mesmo que os…

Mas a bruxa não deixou o Coelhinho terminar:

– Sim, sim! Estou a ver agora! Desculpa meu amiguinho! Não sabia que és amigo do Pai Natal!

– Quem és tu pequenote!!! – murmurava o Coelhinho – No ano que vem mando-te uns ovos com tanto laxante que até a tua corcunda vai ficar cheia de…

– E então, iô, minha senhora? – interrompeu o Pai Natal antes que o Coelhinho se esquecesse de vez da sua educação diplomática – Que faz aqui nesta praia encantadora?

– Estou a caminho da floresta, Pai Natal! Levo esta cestinha de maçãs comigo para quando são precisas! E, provavelmente, sê-lo-ão agora! Estas maçãs são mágicas! Dão saúde a quem quer que as coma! E vejo que as vossas renas parecem precisar de algo como elas!

– As tuas maçãs são mágicas? – perguntou Neils – Man! Era mesmo disso que ‘távamos a precisar! Deixa-nos aí umas poucas!

– Minha velhinha, iô! A tua chegada foi uma lufada de ar fresco neste dia tão atarefado!

– Oh, meus queridos, tomem lá! Oito maçãs! Uma por cada rena! Boa sorte para vocês! Tenho que ir embora! Adeus!

O Pai Natal e Neils acenavam à velhinha que se afastava, cada um com quatro maçãs nas mãos, enquanto o Coelhinho, amuado, refugiou-se perto do pedregulho onde guardara religiosamente os seus ovos de chocolate.

– Pois! Os meus ovos não os aceitam! Já as maçãs da velha…

Já a velhinha mal se avistava quando o Pai Natal e Neils terminaram de descascar as maçãs.

Com muito jeitinho, o Pai Natal levou a primeira maçã à primeira rena.

– Vamos minha querida, iô! Trinca só um bocadinho…

Com um pouco de trabalho todas as renas comeram uma maçã, mas infelizmente, nada aconteceu… Todas continuavam desmaiadas…

– Não entendo, iô, iô, iô! Continuam na mesma! – comentava o Pai Natal.

Boss! Se calhar temos que esperar um pouco! Ou então houve algo que não fizemos bem!

– O que poderemos ter feito de errado, iô? Era só fazer as renas comerem as maçãs! Não há muita ciência nisso!

– Se vocês pensam que vos vou dar os meus ovos de chocolate para resolverem os vossos problemas estão muito enganados! – gritava o Coelhinho do lado de lá do pedregulho.

A confusão tinha vindo para ficar! A falta de resultados era inexplicável… Mas só até aparecerem sete seres muito parecidos com Neils, em termos de estatura, a gritar pela praia:

– Oh, não! A bruxa má envenenou as renas do Pai Natal!

Tanto o Pai Natal como Neils olhavam boquiabertos para as sete figurinhas a cantar, enquanto o Coelhinho finalmente saiu de trás do rochedo:

– Eu vi logo! Eu já sabia que a velha não era boa pessoa!

Os sete anões chegaram ao pé dos três amigos. Todos eles falavam sozinhos como que se isolados uns dos outros:

– Eu envenenei as minhas renas na véspera de Natal, iô…

– Não me posso esquecer de pintar os flaps do avião…

– Eu desconfiei logo das cantilenas da velha…

Um dos anõezinhos, no entanto, teve uma ideia:

– Meus amigos! Pai Natal, Coelhinho, Neils: Já sei como podem resolver este assunto… Só têm que ir ao castelo buscar o príncipe! Ele deu um beijo na nossa patroa e ela acordou depois de ter comido uma maçã da bruxa.

Neils prontificou-se logo a aceitar a missão:

– Eu vou lá! Tenho a Moto-4 no porão do avião! Chego lá num instantinho.

O Pai Natal e o Coelhinho nem se aperceberam do que tinha acontecido entretanto. Parecia que ainda estavam em estado do choque!

– Iô, iô, nunca tinha visto renas a comer maçãs…

– Havia de ter atirado um ovo à cabeça da velha…

CAPÍTULO V – O príncipe da história errada

Polaris Predator 500 quase voou sobre o areal junto à linha de água. Os dois motores extra com que Neils havia “quitado” a sua moto-4 davam-lhe uma velocidade alucinante. Neils era todo ele velocidade! Irresistível para qualquer miúda que o visse montado na sua moto 4, pintada com labaredas e equipada com imensos canos de escape falsos.

O castelo do príncipe não era muito longe dali… Foram precisos apenas alguns minutos para Neils alcançar o seu destino. A ponte levadiça do castelo estava aberta e Neils entrou com a sua máquina para o seu interior. Logo depois, estacionou no átrio e dirigiu-se a pé ao campo de badmington onde o príncipe treinava com um dos seus pajens.

– Ei meu! Desculpa lá! – abordou o Neils – Tu é que és o príncipe?

– Indubitavelmente meu caro visitante! E vós? Quem sois?

– Eu? Eu sou o Neils! O ajudante indispensável do Pai Natal!

Neils fez uma vénia desajustada. Não dominava muito bem a indumentária a praticar diante de uma personagem da realeza. O príncipe, contudo, não pareceu importado:

– Dizei-me, meu caro Neils, em que posso ajudar-vos?

– Oh meu! É uma história que nem vais acreditar, pá! Tudo começou quando estava em casa e recebi um telefonema do Pai Natal…

Neils contou o que se havia passado de uma forma muito resumida. O mais difícil foi convencer o príncipe a sair dali com ele até à praia onde estavam os nossos amigos para dar um beijo na boca a oito renas inconscientes:

– E então? O que dizes príncipe? Podes ajudar-nos?

O príncipe pensou um pouco, e a sua decisão não tardou:

– Como podeis imaginar, lorde Neils, não posso acatar o vosso pedido de ânimo leve. O que me pedis não é digno de um príncipe. Sendo assim, faço-vos uma proposta que será a sua única esperança da minha pessoa fazer aquilo que me pedistes. Uma proposta tão insólita que se soubésseis que a iria propor, nunca tínheis pedido o que me haveis pedido.

– O quê??? – perguntou Neils muito confuso.

– Segui-me, se fizer o favor.

Neils seguiu o príncipe relutante. Ainda não tinha percebido muito bem o que o príncipe tinha dito. Caminharam um pouco à volta do castelo pelo pátio interior e saíram das muralhas pela ponte levadiça das traseiras. Um enorme campo, a perder de vista, estendia-se sobre uma leve colina toda barrenta e marcada com um caminho cheio de curvas e contra-curvas, altos e baixos, poças de água e árvores caídas. Ali perto estava uma pequena casa de madeira. Entraram.

– Esta é a minha oficina, meu caro Neils. E debaixo daquele manto está a minha obra de arte.

Neils olhou para um pano branco que escondia algo. Não foi preciso muito tempo para Neils perceber o que estava lá escondido: uma moto-4.

O príncipe respirou fundo e, num acto de grande brilhantismo, puxou o pano branco e revelou algo que deixou Neils maravilhado: uma Kawasaki KFX 450R.

– Uau! – dizia Neils completamente estupefacto – 450 cavalos de potência, suspensão de 8.5 polegadas, equipada com nerf bars, alargadores e suporte em inox para a cremalheira…

À parte da ficha técnica da moto-4 do príncipe, o que mais impressionava Neils era a pintura da máquina e os acessórios sem utilidade: umas labaredas azuis surgiam da base da moto enquanto que dois canos de escape falsos elevavam-se cerca de um metro do assento do condutor, um de cada lado deste.

– Acho que já percebestes qual o tipo de proposta que a minha pessoa havia-vos insinuado quando me pedistes aquilo que pedistes antes de vos ter dito que se soubésseis o que vos iria propor seria exactamente aquilo que acabastes de perceber.

– Eh pá! Eu nem isso que me disseste percebi…!

– Quero fazer uma corrida contigo, ok? – disse agora o príncipe num tom de voz mais… mundano.

Neils foi a correr buscar a sua moto-4. A Kawasaki de quatro rodas do príncipe era potente, sem dúvida, mas nunca poderia fazer frente às alterações que Neils fizera à sua Polaris.

Quando Neils estava a chegar à zona da corrida que se iria realizar, ainda sacou um cavalo na sua moto-4 para intimidar o príncipe! Não fazia intenções nenhumas de perder.

– Impressionante, meu caro Neils. Muito impressionante! – admitiu o príncipe – Mas temo que não vos tenha explicado as regras da corrida. A moto-4 perdedora será aquela que cruzar primeiro a meta depois de dar uma volta ao circuito.

– O quê??? – perguntava Neils incrédulo – Ganha quem chegar em último?

– Que disparate, meu lorde Neils! Vós não estais bom da vossa cabeça! Claro que ganha quem chegar em primeiro! Mas a moto-4 do que chegar em primeiro terá que chegar em último, isto é, a moto-4 do vencedor terá que chegar depois do seu dono ter terminado a corrida em primeiro lugar…

Por momentos Neils sentiu saudades do Coelhinho. Preferia aguentar as suas irritantes alusões aos seus ovos de chocolate durante um dia inteiro do que falar mais o que quer que seja com aquele príncipe. «Se calhar, bebeu ao pequeno-almoço e agora está neste estado», pensava Neils enquanto olhava para o príncipe e tentava decifrar aquele estranho discurso. Até que, fez-se luz:

– Claro! – gritou Neils – Temos que correr na moto-4 um do outro. Assim, se eu ganhar a corrida, é claro que a minha moto-4 chega em segundo lugar!

– Muito bem meu caro Neils! Sois digno de competir comigo!

– E se eu ganhar? Vais lá beijar as renas? – perguntou Neils.

– Dou-vos a minha palavra! Mas se eu ganhar, a vossa moto-4 ficará comigo.

Estava muito em jogo. A moto-4 de Neils era a sua vida. Mas o Natal era mais importante e Neils aceitou as condições propostas pelo príncipe. Apertaram as mãos, montaram-se nas motos um do outro, colocaram os capacetes (ambos pintados com labaredas e equipados com respiradouros falsos só para o estilo) e colocaram-se na posição de partida.

O pajem do príncipe, com quem ele praticava badmington, chegara entretanto e preparava-se para dar o tiro de partida. O revólver disparou. As motos arrancaram.

Neils teve um bom arranque. Na primeira recta do trajecto adiantou-se do príncipe uns bons quatro metros. No entanto, na primeira curva, com subida inclinada logo a seguir, Neils travou demasiado pois não estava acostumado ao comportamento da Kawasaki. O príncipe já conhecia bem o trajecto e não desperdiçou a oportunidade. Fez a curva por dentro e ultrapassou Neils. Havia muita lama nesta fase inicial da corrida e o príncipe projectou um punhado dela para o capacete de Neils com as rodas traseiras da Polaris.

– Come a minha lama, franganote, ah ah!

– Pronto! – pensava Neils – Lá se foram os bons modos…

Irritado, Neils acelerou a fundo. A moto derrapou e expeliu uns bons quilos de lama pelo ar atrás de si. Um espectáculo digno de se ver à distância. O pajem, que ainda estava perto, é que não achou lá muita piada!!!

O plano inclinado e as curvas apertadas impediam Neils de ver o príncipe que corria à sua frente. Mas ele sabia que o seu adversário não podia estar muito longe… A sua Polaris era muito potente graças aos equipamentos extra com que Neils a “quitara”, mas o príncipe não sabia como activá-los. Afinal de contas, ele não conhecia a moto-4 em que corria tão bem como o seu próprio dono. Quanto à Kawasaki, já se tinha submetido à destreza de Neils que a dominava em todos os obstáculos que se encontravam no caminho.

Cada vez com mais confiança, Neils avistou o príncipe fora da sua moto: estava atolado num pequeno lago de água mesmo no meio da estrada enlameada.

– Ah, ah! – gritava Neils enquanto passava pelo príncipe a correr – Quem é que é o franganote agora, huh?!

– Raios! Não posso perder a corrida! – resmungava o príncipe.

Passados alguns segundos, o príncipe lá conseguiu tirar a Polaris da água suja do pequeno lago, voltou a montar a moto e prosseguiu a corrida. As posições tinham-se novamente invertido e o príncipe teria que se esforçar para alcançar Neils que se havia adiantado bastante. Tanto que a sua vista não o alcançava.

– Bolas! – pensava o príncipe – Onde se meteu aquele idiota???

Impaciente por localizar Neils, levantou-se do assento para ter uma maior perspectiva do trajecto. Ao fazê-lo, juntou as pernas ao assento da Polaris e, sem saber, accionou os motores extra com que Neils havia equipado a sua moto-4. O botão que o fazia encontrava-se na parte lateral do assento mesmo encostado ao joelho esquerdo do príncipe. Para Neils, devido à sua estatura, ficava mesmo a jeito para ser pressionado com o pé! A Polaris impulsionou para a frente de tal forma, que o príncipe quase voou do assento.

– AHHHHHH! – gritava o príncipe enquanto a moto disparava na direcção da sua Kawasaki.

Neils corria descansado. «Nem sinal do príncipe» pensava ele, enquanto o trajecto entrava na fase final, agora num terreno mais barrento. «Está no papo!» Neils estava seguro da vitória mas eis que fica completamente atordoado pois, ao seu lado, um inferno de labaredas ultrapassa-o sem misericórdia. Neils gelou momentaneamente quando reconheceu a pintura da sua Polaris. Ainda se apercebeu da gritaria do príncipe montado na sua moto e no efeito Doppler das ondas sonoras agoniadas que exaltavam das cordas vocais do príncipe «aahhAAHH-HEHEhehe».

A fase final da corrida estava cheia de outros obstáculos: árvores caídas, montes de terra, mais pequenos lagos… Mas a Polaris rasgava tudo no seu caminho tal não era a sua velocidade. Lá atrás, Neils aproveitava o caminho aberto deixado pela sua moto-4 e acelerava a Kawasaki o máximo que conseguia.

Impressionado com o comportamento da moto-4 de Neils, o príncipe investigou mais segredos que a máquina que montava poderia esconder. Tanto apalpou que encontrou outro botão agora do lado direito do assento.

– Oh sim! Deve ser um botão para accionar mais um motor ou dois! Uau! Nem acredito que vou ficar com esta máquina! Aquele fedelho fez um excelente trabalho!

Levado pelo entusiasmo da velocidade, o príncipe pressionou o botão que encontrara. Mas o seu entusiasmo deu lugar ao desânimo… Àquela velocidade vertiginosa, as rodas da Polaris retraíram e, no lugar delas, apareceram duas pranchas de ski, ideais para deslizar na neve. Do computador de bordo ouviu-se uma voz monocórdica «Sistema de tracção B activado – Neve». Na terra barrenta onde se encontrava, o atrito era demasiado e a Polaris parou.

– Achas mesmo que eu não “quitava” a minha moto-4 com pranchas para andar na neve? Eu moro no Pólo Norte, pá! – informava Neils quando ultrapassava, pela direita, o príncipe.

Ainda faltavam umas centenas de metros para o final e o príncipe, numa tentativa de ainda ganhar a corrida, pressionava o botão que o havia desgraçado, com o intuito da Polaris recolocar as rodas, mas só ouviu a frase «Sistema de tracção A activado – Terra» depois das tentativas «Sistema de tracção C activado – Água», «Sistema de tracção D activado – Areias Movediças» e «Sistema de tracção E activado – Solo de Marte».

O príncipe arrancou a fundo mas já não conseguiu alcançar Neils. Este já havia cruzado a meta com uns confortáveis vinte segundos de avanço.

– Rendo-me humildemente, meu caro Neils! – admitia a muito custo o príncipe – E, como mantenho sempre a minha palavra, seguir-vos-ei até junto de vossos amigos para satisfazer o vosso pedido.

– Obrigado, meu!

O Pai Natal e o Coelhinho da Páscoa estavam a saborear uns ovos de chocolate à espera de Neils, quando ouviram o som de duas motos que se aproximavam.

– É o Neils, iô, iô, iô!

– E deve ser o príncipe! E, pela velocidade a que vêm, devem estar cheios de saudades dos meus ovos de chocolate!

Chegaram! Logo após todos se terem conhecido, o príncipe olhou para as renas e desabafou:

– São aquelas?

– São, iô! – respondeu o Pai Natal – Se fizer favor, sua alteza.

O príncipe dirigiu-se às renas que estavam desmaiadas na praia, a uns dez metros de onde todos se encontravam. Ao chegar junto das bestas, respirou fundo, baixou-se e beijou cada uma das renas ao mesmo tempo que segurava nas suas cabeças gigantes enfeitadas com chifres medonhos.

Os três amigos observavam aquele espectáculo de aberrações e ficaram momentaneamente enojados com o cenário.

Mas a agonia deu lugar à felicidade. As renas acordaram!

– IÔ, IÔ, IÔ! LINDAS MENINAS?

YAH MAN! ‘TÁ-SE!

– VAMOS COMER OVOS PARA CELEBRAR!

O príncipe, no entanto, não se sentia lá muito bem:

– Meu senhor! Meu lorde! Minha criaturinha esquisita e felpuda! Acho todos aqueles beijos me deixaram um pouco zonzo… Sinto que vou… Que vou…

Nisto, uma nuvem de areia elevou-se no ar e, como que por magia, soltaram-se uns relâmpagos do seu interior e uns sons irreconhecíveis. Neils e o Pai Natal seguraram-se ao pedregulho para não serem arrastados pelos ventos que elevaram a nuvem de areia, enquanto o Coelhinho se debruçava sobre os seus ovos para não voarem dali.

Passados uns segundos a nuvem assentou e o ventou acalmou… O bom tempo regressava enquanto que as más notícias também! Os beijos que o príncipe deu trouxeram uns efeitos inesperados: as renas transformaram-se em grifos de duas cabeças e o príncipe transformou-se em sapo!

– PORRA, NEILS, IÔ!!! TROUXESTE O PRÍNCIPE ERRADO!

CAPÍTULO VI – De volta ao problema inicial

s doze amigos decidiram sair da praia e seguir a pé por um caminho muito estranho feito de tijolos amarelos que passava ali perto. O cenário era, sem dúvida, muito insólito. Parecia uma cena retirada do “Senhor dos Anéis”: Oito grifos de duas cabeças, um homem gigantesco vestido com roupa vermelha atafulhada de lã apesar dos 30ºC que se faziam sentir, outro homem de estatura reduzida vestido de verde com uns sapatos pontiagudos equipados com guizos nas extremidades que não lembram a ninguém, um coelho que transparecia um ar de felicidade arrepiante a segurar um tabuleiro de ovos de chocolate e um sapo. A descrição do sapo fica-se pelo conceito geral de sapo! Era só um sapo!

– Eh eh, amigos! – dizia o Coelhinho da Páscoa – Sabem como nos poderíamos chamar? A Irmandade Do Ovo De Chocolate, eh eh!

Depois de alguns quilómetros percorridos, chegaram a um castelo (não o do sapo).

– Será que está alguém, iô, iô? – perguntava o Pai Natal.

– Está ali a campainha, boss! Eu vou lá tocar.

Neils tocou à campainha das muralhas do castelo. Não demoraram dez segundos para que a ponte levadiça começasse a baixar.

Todos juntos atravessaram a ponte e entraram no interior das muralhas imponentes. Uma vez lá dentro, a estupefacção tomou conta deles dado o cenário a que assistiam: um pátio interior todo relvado e decorado com fontes a transbordar água cintilante que rodeava um enorme castelo situado mesmo no centro. As quatro torres brancas disparavam em direcção aos céus e uma imensidão de janelas transparecia centenas de assoalhadas.

– Uau, iô, iô!!! Nunca vi nada, iô, assim!

– Imaginem como ficaria ainda mais imponente se lhe pintassem umas labaredas!!!

– Bolas! Se estiver lotado, não trago ovos de chocolate para tanta gente!

– Rabbitt!

Os grifos nada diziam mas as dezasseis cabeças pareciam imóveis a olhar para a construção.

– Bem, iô!! Sigamos em frente! – comandava o Pai Natal.

Alguns minutos depois já os doze amigos estavam à porta do castelo. Neils bateu à porta.

Depois de serem recebidos por um mordomo, os doze amigos seguiram até ao salão das visitas. Lá esperaram pela sua anfitriã: a princesa. Enquanto aguardavam, o Pai Natal e Neils murmuravam entre si:

– O que raio, iô, iô, uma princesa poderá fazer por nós?! – perguntava o Pai Natal.

– Não sei boss! Mas neste momento não temos muitas mais opções. Pode ser que ela seja bruxa ou assim e desfaça o feitiço.

– Mesmo assim, iô, vai pedir alguma coisa em troca do favor.

– Nós damos-lhe os ovos do coelho. Dizemos-lhe que são mágicos, ou uma cena parecida!

– Contudo, depois, iô, temos que dar alguma coisa em troca ao coelho. O dia já me está a correr mal e eu não queria ficar ainda a dever favores àquele gajo, iô!

O som das trompetas entoou pelo salão quando uma silhueta magnífica começou a descer pela escadaria central. Todos olhavam maravilhados. Uma beldade, elegantemente vestida, quase que flutuava na sua direcção.

– Boa taguede, meus cavagueigos… Em que vos podeguei segue útil? – perguntava a princesa dirigida às doze aberrações sendo, pelos vistos, ela própria uma também!

O Pai Natal expôs à princesa um resumo muito abreviado de tudo o que tinha acontecido nessa tarde. Tinha que se despachar! Faltavam apenas algumas horas para começar a entrega das prendas.

– Não sei em que vos podeguei segue útil. Mas eu vou mandague chamague os meus associados. – dizia a princesa dirigida ao Pai Natal – Quanto a ti, sapo, eu vou chamague a minha peguima paga te devolvegue a tua foguema, mas também lhe vou contague que andaste aos beijos a animais desconhecidos! E quegago que te guecoguedas que não segá a peguimeiga opoguetunidade que teguei paga fazegue isso!

O Pai Natal, Neils e o Coelhinho trocaram olhares entre si! De repente perceberam que a prima daquela princesa devia ser a esposa do sapo! O que não perceberam foi o comentário final no discurso da princesa!!!

Os associados da princesa, sete anõezinhos amorosos, chegaram entretanto. Mas os nossos amigos já os conheciam! Eram os mesmos que os haviam avisado na praia acerca das maçãs envenenadas da bruxa.

– Estás a ver, iô? – murmurava o Pai Natal a Neils – Era a este castelo que devias ter vindo! O tipo desta princesa é que deve ser o tal príncipe que devia ter acordado as renas, iô, iô.

– Está claro, boss! Será que conseguimos convencer este agora a fazer o mesmo???

Na dúvida, Neils perguntou à princesa:

– Ouve, minha! Não 'tá cá o teu marido, pois não? Ele é que era capaz de nos livrar desta cena toda!

– Sugeguem que obeguigue o meu maguido a beijague oito gueguifos como esses? É o dobego de cabeças! Nunca o meu maguido faguia tal coisa!!! – respondeu a princesa – Mas ele deve estague a chegague a casa! Foi caçague montado no degagão e daqui a pouco são hogas de jantague.

O grupo, agora com 20 personalidades (28 se contarmos as cabeças), saiu do castelo em direcção ao pátio interior da muralha. Enquanto esperavam pelo príncipe, o Pai Natal, Neils, o Coelhinho da Páscoa, os oito grifos de duas cabeças, o sapo, a princesa e os sete anões iam contando algumas piadas uns aos outros e resolvendo enigmas e charadas. Uma tertúlia agradabilíssima naquele fim de tarde ameno.

Já se começavam a esgotar os temas de conversa quando os nossos amigos ouviram um bater de asas lento, mas intenso, ao longe.

– É o meu maguido! – esclarecia a princesa – Está a chegague da caça.

O imponente dragão aproximava-se. Com o passar dos segundos, revelava-se uma besta enorme, dourada e assustadora. Todos ficaram maravilhados com semelhante cenário. Todos menos os grifos que começaram a transparecer alguns tiques nervosos e a soltar uns pequenos rugidos.

– Os seus gueguifos de estimação paguecem pegueocupados, Pai Natal. Não é melhogue igue dague-lhe uns caguinhos paga tegancuilizague o seu compoguetamento peguetuguebado?

– É bem capaz de ter gaz… iô! Desculpe! Razão, princesa! – respondeu o Pai Natal enquanto pensava «Era também o que me faltava, iô, iô, apanhar mais um problema na fala, iô! Cagamba!».

Mas o Pai Natal não teve tempo de se aproximar dos grifos. Os seus rugidos começaram a soar mais alto e, juntamente com aquela voz assustadora, começavam a surgir da sua boca algumas labaredas de nervosismo.

– Uau! – dizia Neils.

– Tirem o ovos daqui! Tirem os ovos daqui! – gritava o Coelhinho para o ar – O calor faz mal aos ovos! O CALOR FAZ MAL AOS OVOS!

Mas o grupo estava já demasiado em pânico para ouvir a voz do Coelhinho! Numa tentativa desesperada de sobrevivência, o Pai Natal, Neils, a princesa e os sete anões começaram a arremessar os ovos do Coelhinho contra os grifos:

– Iô, iô! Acalmem-se suas pestes!

Yah, man! Granda tiro!

– Tomem lá queguiatugas guidiculas!

Os anõezinhos, esses, cantavam ao som dos disparos e em uníssono:

– Quem tem medo dos grifos maus? Grifos maus? Grifos maus! Quem tem medo dos grifos maus? Lá lá lá lá lááááá!

Ao passo que o Coelhinho berrava com as mãos na cabeça:

– NÃÃÃÃOOO!!! OS MEUS OVOS NÃÃÃÃOOO!!!

– CALEM-ME ESSE COELHO ESTÚPIDO, IÔ!

Mas, no meio de toda esta confusão, algo de inesperado aconteceu: os grifos começaram a banquetear-se com os ovos de chocolate que lhes estavam a ser atirados. Foi então que se acalmaram e, num acto de magia súbito transformaram-se em renas. Nas renas do Pai Natal!

– EU NÃO DISSE??? EU NÃO DISSE??? EU NÃO DISSE QUE OS MEUS OVOS ERAM A SOLUÇÃO???

– Pronto! – comentava Neils – Agora é que ninguém o atura…!

Depois de tudo resolvido, o Pai Natal despediu-se da princesa:

– Adeus, iô! Princesa! Obrigado por tudo!

– Adeus, Pai Natal! E paga a pegóxima não peguemita que as suas guenas andem pogue aí a dague beijos a qualquegue um!

– Vamos embora depressa, Neils! – murmurava o Pai Natal – Este sítio, iô, dá-me calafrios! Parece que ninguém consegue falar em condições neste país…

Não foram suficientemente rápidos ao ponto de não cumprimentar o príncipe que, entretanto, desmontara o seu dragão:

– Ouá amigos! Tanta aueguia nas vossas cauas!

– Olá queguido! Deixa-os paguetigue e êntega! Eu já te conto a históguia toda!

E enquanto os nossos amigos se afastavam, ouviam-se cada vez mais distantes as vozes à porta das muralhas do castelo:

– Adeus meus queguidos!!!

– Voutem sempue!!!

Rabbitt!!!

– Lá lá lá lá lááááá!!!

Foi um instante enquanto todos chegaram ao Gulfstream. Enquanto os motores aqueciam, Neils abriu o porão do seu jacto e guardou a sua Polaris “quitada” no seu interior. O Pai Natal, entretanto, guardou a Kawasaki do príncipe junto ao pedregulho onde o Coelhinho escondera os seus ovos de chocolate no início daquela aventura. O Coelhinho, por sua vez, não se cabia de felicidade e orgulho! Afinal tinham sido os seus ovos de chocolate que tinham salvo a situação.

Todos a bordo, seguiram em direcção à Sibéria, à casa de férias do Coelhinho. Mereciam uns minutos de celebração! E assim foi! Durante uns minutinhos beberam um chá com ovos de chocolate na sala das duas poltronas.

– Proponho, iô, um brinde, iô, iô, iô! Um brinde ao Natal, às renas que passaram um triste bocado, a Neils que, apesar de não ter acertado no príncipe correcto, terminou uma corrida fantástica em primeiro lugar e à minha antiga turma das sessões de terapia da fala, iô! Não sei porquê mas desde as quatro da tarde que estou sempre a pensar neles!

O Coelhinho aclarou a garganta. Faltava algo ao discurso do Pai Natal!

– E também aos ovos do Coelhinho. Sem eles a tarde teria sido uma tragédia.

E assim todos beberam o seu chá reconfortante, o Pai Natal feliz por ter de volta as suas renas, Neils entusiasmado por ter tido nesse instante uma nova ideia para “quitar” o seu Subaru com labaredas pintadas na base e três pares de canos de escape falsos e o Coelhinho orgulhoso por ainda ter o armazém cheio de ovos de chocolate para o que desse e viesse.

– Vamos para casa, iô, Neils? – perguntou o Pai Natal.

– Nem é tarde, nem é cedo, boss! Adeus Coelhinho! Feliz Natal!

– Adeus meu amigo! – disse o Pai Natal enquanto se abraçava ao Coelhinho – Nunca deixes de, iô, iô, ter os teus ovos à mão...! Sabes muito bem que, como tu, não há ninguém que os…

Mas Neils interrompeu:

– Está na hora, boss! Vamos embora!

O Coelhinho acenava aos dois amigos enquanto estes abriam a porta da sua casa. Os seus rostos iluminados transpareciam, sobretudo, alívio. Mas foi sol de pouca dura. Assim que saíram, o Pai Natal e Neils petrificaram à porta da casa do Coelhinho!

– OH NÃO! AS RENAS… ESTÃO OUTRA VEZ CONGELADAS…!

CAPÍTULO VII – Afinal mais valia um pequeno remédio

eils! – gritava o Pai Natal – Desta vez, iô, vamos fazer as coisas à minha maneira. Agarra nas renas e mete-as no teu jacto.

– É para já, boss!

– Coelhinho! – imperava agora o barbudo em direcção à criaturinha irritante – Vai buscar mais ovos de chocolate e vem connosco! Aliás! Traz os ovos todos que aí tiveres, iô, não vá o diabo tecê-las.

– Com certeza, Pai Natal! E tu??? O que vais fazer?!

– Eu vou aquecer os motores do avião, iô!

Depois de cumpridas as ordens, o Gulfstream descolou da casa do Coelhinho da Páscoa em direcção à casa do Pai Natal. Não passaram 20 minutos para que o seu destino fosse alcançado. Faltavam apenas duas horas para o início da entrega de presentes e haviam ainda dois problemas por resolver. O Pai Natal estava decidido a não perder mais tempo.

Quando a aeronave parou mesmo em frente à porta do Pai Natal, este desceu imediatamente e foi pedir à Mãe Natal para elevar o aquecimento da casa ao máximo que podia. Neils, entretanto, trazia as renas congeladas para o interior da casa, enquanto o Coelhinho escondia os seus ovos na neve para manterem aquela temperatura que lhes assegurava a sua qualidade. Levou para dentro de casa apenas oito ovos para as renas. E assim foi! As renas descongelaram, beberam o chocolate derretido e regressaram ao estado normal!

O Pai Natal, contudo, ainda não tinha resolvido todos os seus problemas.

– Vou para o meu escritório, iô, iô! Sem saber ainda o que vou fazer…

Neils e o Coelhinho olhavam um para o outro impotentes.

O Pai Natal entrou no seu escritório fechando a porta atrás de si. O seu interior estava agora muito agradável! Apesar de não ter isolamento térmico, o calor gerado na sua casa para descongelar as renas era tanto, que até o escritório estava a ficar bem quentinho.

Sentou-se e ligou o computador mesmo à sua frente.

– O que se passa aqui, iô?!

Uma ligeira humidade e uma linha ténue começavam a evidenciar-se no monitor do computador mesmo sobre a imagem do gráfico que apresentava a relação entre brinquedos disponíveis e quantidade de crianças no mundo!

– OH NÃO, IÔ, IÔ, IÔ!!!

O Pai Natal desmaiou. Tudo não passara de um engano! Era apenas uma fina camada de gelo sobre o ecrã do computador que o tinha levado a interpretar mal o gráfico. Com a temperatura do escritório a subir, o gelo descongelara e revelara o verdadeiro aspecto do gráfico.

No entanto, o Pai Natal continuava desmaiado… O choque tinha sido muito grande! E, infelizmente não acordou a tempo de entregar os presentes às crianças do mundo.

Nesse ano, a entrega de prendas ficou, portanto, a cargo do Coelhinho da Páscoa que ofereceu ovos de chocolate a todos os habitantes do planeta (menos à velhinha corcunda…).


 

*** FIM ***

4 comentários:

  1. Que rasgo de criatividade... Adorei :)

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  2. fantástico!!!!!!!!!!!!!!
    mas eu sou suspeita......................
    sou irmã! lol
    afinal, foi de mim que ele herdou tanta criatividade
    beijos ana luisa

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  3. MUITO BOM MM! pARABÉNS PELA CRIATIVIDADE.....O COELHINHO DEU MUITA PIADA À HISTÓRIA....ADOREI!!!!

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