Regressemos às curiosidades da
Matemática. Curiosidades que, por serem tão peculiares, vão entrar em colapso
com a nossa forma de ver as coisas. O que responder quando alguém nos diz que
“todos os elefantes são vermelhos”? Ou que “todos os pianos têm apenas 12
teclas”? Ou ainda que “todos os pinguins vivem no Pólo Norte”? Mais: “todos os
diamantes são «duproquebradiços»”? Confesso que não foi fácil encontrar uma
palavra foneticamente agradável que não constasse no dicionário português… Claro
que podemos sempre pensar que a pessoa que afirma tais coisas não joga com os
dados todos. Contudo há que responder com o mesmo nível de raciocínio e,
provavelmente, isso vai requerer um certo requinte na nossa resposta… Se calhar,
as ideias absurdas que às vezes nos são transmitidas (pensamos nós que são
absurdas!) são, na realidade, verdadeiras obras de arte no complexo mecanismo
que dita as leis do raciocínio. Bem! Em primeiro lugar, o leitor poderá
questionar a relação entre as últimas sentenças e a Matemática. A realidade é
que a Matemática ocupa-se precisamente destas coisas: o estudo do raciocínio. E
também do estudo do estudo do raciocínio. E ainda do estudo do estudo do estudo
do raciocínio… A cadeia é infindável e apenas as mentes mais brilhantes
conseguem atingir o terceiro nível. Neste momento a minha mente fervilha de
curiosidades para escrever e a minha vontade é colocá-las imediatamente aqui,
neste blog, sem mais perdas de tempo. Mas tenho que ir com calma e
explicar umas coisas primeiro… Talvez os computadores sejam «ambipalpotentes» e,
um dia, tal seja possível…!
O último parágrafo revela a
ocupação da maior parte dos filósofos de hoje em dia. Mesmo na linguagem do
quotidiano é necessário criar um sistema coerente onde as afirmações façam
sempre sentido, ou não, independentemente da interpretação da mesma (desde que,
claro está, tal interpretação esteja inserida no mesmo sistema). Esse sistema
baseia-se na lógica matemática. Na realidade uma gramática de português é um
manual maravilhoso de matemática. Não acredita? Vejamos:
RACIOCÍNIO
E METALINGUAGEM
Os alicerces do nosso conhecimento.
Hoje em dia os filósofos
debatem acerca de todos os tipos de raciocínio que a nossa massa cinzenta é
capaz de produzir. A meu ver, e no espírito de cientista, existem dois
grandes tipos de raciocínio nos quais se incluem, directa ou indirectamente,
todos os outros: A Dedução e a Indução. Decerto que, se estudou filosofia no
ensino secundário, recorda-se destes termos. Mas para debater as ideias da
Dedução e da Indução, é necessário primeiro abordar alguns pilares da Lógica
de Primeira Ordem, assim chamada numa tentativa de mecanizar, como uma
grande linha de montagem, o nosso pensamento: desde a matéria prima à caixa
de sapatos…
No caso do pensamento
lógico, as matérias primas são os chamados termos e
conceitos. Termos são os nomes pelos quais chamamos as coisas. Por
exemplo “bola de futebol”, “rio Tejo” ou “avestruz”. Os
conceitos são os significados que lhes estão associados:
●
Bola de Futebol – superfície esférica, normalmente feita de couro,
oca, cujo diâmetro mede aproximadamente 22 centímetros; o seu peso deve
variar entre 410 e 450 gramas e a sua pressão no interior deve medir entre
0,6 e 1,1 atmosferas (aproximadamente entre 60,8 e 111,5 kPa) a zero metros
de altitude.
●
Rio Tejo – curso de água mais extenso da Península Ibérica (cerca de
1007 km de extensão); a sua nascente situa-se em Espanha na Serra de
Albarracín (a pouco mais de 1500 metros de altitude); desagua em Portugal na
cidade de Lisboa.
●
Avestruz – (Struthio camelus) espécie animal pertencente à
classe das aves originárias do continente africano; apesar de ser uma ave não
voa; considerada por muitos a maior ave existente no planeta na actualidade;
podem atingir os 150 kg de peso e os 2,5 metros de altura.
Para tornar a última noção
mais “matemática” podemos pensar em conceitos como: “dois”, “multiplicação”
ou “conjunto”. Termos e conceitos, por si só, não podem ser
classificados como verdadeiros ou falsos. O que fazemos a seguir é
combiná-los de modo a obter afirmações cujo valor lógico já pode ser
determinado. Tal processo é exactamente o alicerce tanto da linguagem
corrente (no nosso caso, o português), como da linguagem matemática. Essas
afirmações, ou proposições, são sempre verdadeiras ou falsas,
mesmo que não conheçamos a resposta, não existindo uma terceira opção para a
sua classificação.
• PROPOSIÇÕES
VERDADEIRAS:
«As bolas de futebol
são redondas» ou « 1 + 0 = 1 »
• PROPOSIÇÕES FALSAS:
«O rio Tejo nasce na
Serra da Estrela» ou «Um triângulo pode ter dois ângulos
internos rectos»
• PROPOSIÇÕES COM
VALOR LÓGICO DESCONHECIDO:
«As avestruzes vão
extinguir-se em 2013» ou «Existem números perfeitos
ímpares»
A última proposição diz
respeito a uma conhecidíssima questão matemática ainda por resolver (talvez
num futuro próximo). Claro que, o nosso senso comum, diz-nos que é pouco
provável que as avestruzes se extingam daqui a dois anos. O que está em
causa, no entanto, não é a capacidade de garantirmos a veracidade ou a
falsidade da questão. A única coisa que podemos garantir é que a proposição
é verdadeira (esperemos que não em prol do bem-estar das avestruzes) ou
falsa e não existe uma terceira possibilidade.
As proposições apresentadas
inserem-se no primeiro nível da nossa linguagem: a primeira
metalinguagem ou metalinguagem de primeira ordem.
Qualquer pessoa saudável consegue atingir este nível de metalinguagem. Mas
quando classificamos os mecanismos da primeira metalinguagem, subimos um
degrau numa escala de complexidade exponencialmente crescente: a
segunda metalinguagem ou metalinguagem de segunda ordem.
É neste nível que algumas coisas interessantes acontecem. É também nesta
fase que entram os dois tipos principais de raciocínio: a Dedução, que
assenta numa série de regras de inferência de modo a concluir a veracidade
ou falsidade de algo e a Indução que objectiva a mesma conclusão
baseando-se, contudo, em inúmeras observações.
Pode-se, por exemplo,
concluir que a proposição «O rio Tejo nasce na Serra da Estrela»
é falsa por dedução. Como se viu, no conceito de “rio Tejo”, este
nasce na Serra de Albarracín. Logo não pode nascer na Serra da Estrela e,
portanto, a proposição é falsa. Já a proposição «As bolas de futebol
são redondas» é verdadeira por indução. Alguma vez viu uma bola de
futebol que não fosse redonda??? Os inúmeros exemplos que já presenciámos
nas nossas vidas e as inúmeras bolas de futebol que já vimos, permite-nos
afirmar confortavelmente que todas as bolas de futebol são assim.
O
MECANISMO DA DEDUÇÃO
Regras
para que te quero…
Para compreender este
tópico vejo-me obrigado a apelar à sua capacidade de concentração. O que
vamos avaliar aqui é a veracidade dos vários mecanismos dedutivos que
utilizamos para tirar conclusões verdadeiras. Apimento-lhe desde já a
curiosidade com a frase «Se as bolas de futebol são cúbicas então o
rio Tejo nasce na Serra da Estrela» que, garanto-lhe ser
INDUBITAVELMENTE verdadeira! Será o primeiro parágrafo deste blog
inteiramente dedicado à metalinguagem de segunda ordem. O leitor está pronto
para começar?
Começamos com as três
regras básicas da inferência: a conjunção, a disjunção e a
negação. A conjunção e a disjunção tratam da veracidade ou falsidade da
relação entre duas proposições de metalinguagem de primeira ordem. A
conjunção utiliza normalmente a palavra “e” enquanto que a disjunção
utiliza a palavra “ou”. A negação é uma regra aplicável a apenas uma
proposição metalinguística de primeira ordem e recorre à palavra “não”
para se exprimir no nosso dia-a-dia.
•
AS
CONJUNÇÕES
Frases como:
●
As galinhas são aves e os gatos são mamíferos,
●
As galinhas são aves e os gatos são anfíbios,
●
As galinhas são répteis e os gatos são mamíferos ou
●
As galinhas são répteis e os gatos são anfíbios
são exemplos de conjunções.
Identificamo-las pelo elemento “e” que liga, em todos os quatro casos, as
duas proposições de metalinguagem de primeira ordem. Das quatro frases
anteriores apenas uma é verdadeira. Consegue identificá-la? É natural que
sim. A primeira proposição «As galinhas são aves e os gatos são
mamíferos» é a única verdadeira de entre as quatro. Portanto uma
conjunção é verdadeira se as duas proposições envolvidas forem
simultaneamente verdadeiras.
Para esquematizar este tipo
de raciocínio, os filósofos e matemáticos de outrora desenvolveram uma
técnica fácil e infalível: as tabelas de verdade. Para tal representamos as
duas proposições envolvidas por duas letras, normalmente p e
q. O que fazemos a seguir é indicar o valor lógico da
conjugação entre p e q (que se representa por
p Λ
q) em função dos vários valores lógicos possíveis para
p e q. Utilizam-se as letras V e F
para indicar se as várias proposições são verdadeiras ou falsas
respectivamente.
CONJUNÇÃO
|
||
p
|
q
|
p Λ q
|
V
|
V
|
V
|
V
|
F
|
F
|
F
|
V
|
F
|
F
|
F
|
F
|
Tenha em conta que «A
Terra é um planeta» e que « 5⁸ = 390 625 » são proposições
verdadeiras em metalinguagem de primeira ordem. Consegue indicar se as
conjunções seguintes são verdadeiras? Experimente:
•
AS
DISJUNÇÕES
Dado o significado da
palavra “ou” atribuído pela maior parte das pessoas a veracidade das
disjunções é um pouco mais difícil de avaliar. Retomemos os exemplos das
classes das galinhas e dos gatos:
●
As galinhas são aves ou os gatos são mamíferos,
●
As galinhas são aves ou os gatos são anfíbios,
●
As galinhas são répteis ou os gatos são mamíferos ou
●
As galinhas são répteis ou os gatos são anfíbios
Das últimas quatro
disjunções, apenas uma é falsa. A primeira não oferece dificuldades de maior
uma vez que tanto a proposição «As galinhas são aves» como a
proposição «Os gatos são mamíferos» são verdadeiras. As duas
disjunções seguintes contêm uma proposição verdadeira e uma proposição
falsa. A partícula “ou” permite garantir a veracidade da disjunção se, pelo
menos, uma das afirmações for verdadeira. Assim, uma disjunção é falsa
apenas se todas as proposições nela envolvidas forem falsas.
Se representarmos uma
disjunção por p V q , a sua tabela de verdade tem o
aspecto seguinte:
DISJUNÇÃO
|
||
p
|
q
|
p V q
|
V
|
V
|
V
|
V
|
F
|
V
|
F
|
V
|
V
|
F
|
F
|
F
|
Utilize os exemplos do
ponto anterior para verificar se as seguintes afirmações são verdadeiras ou
falsas. Não se precipite e responda com calma.
•
AS
NEGAÇÕES
Tal como nos diz a intuição
linguística, a negação de uma proposição muda-lhe o valor lógico, isto é, a
negação de uma proposição verdadeira é uma proposição falsa e vice-versa.
São exemplos de negações:
●
As galinhas não são aves,
●
Os gatos não são mamíferos,
●
As galinhas não são répteis ou
●
Os gatos não são anfíbios
A partícula linguística nas
negações é, evidentemente, a palavra “não”. Das últimas quatro proposições é
fácil constatar que as primeiras duas são falsas enquanto que as últimas
duas são verdadeiras.
Se representarmos uma
negação por ¬p , a sua tabela de verdade toma a forma:
NEGAÇÃO
|
|
p
|
¬p
|
V
|
F
|
F
|
V
|
Ainda em relação aos
exemplos dos últimos exercícios, indique o valor lógico das seguintes
negações:
Façamos, para já, uma pausa
no prosseguimento das regras de inferência dedutiva, pois é nesta fase que
começam a surgir os problemas…! Na realidade, todas as regras que se seguem
podem ser decompostas em conjunções, disjunções e negações. Estas três são,
na verdade, os alicerces do nosso raciocínio dedutivo. Mas os paradoxos que
lhes são adjacentes tornam a vida dos filósofos de hoje em dia numa
autêntica montanha russa de pensamentos.
Tudo acontece quando as
proposições metalinguísticas de primeira ordem incidem sobre o seu próprio
valor lógico ou sobre a sua própria estrutura. Por exemplo as proposições «Esta
frase tem cinco palavras» e «As galinhas são aves»
contradizem um pormenor que julgávamos ser coerentemente verdadeiro. Repare
que ambas as proposições são verdadeiras. No entanto, as sua conjunção «Esta
frase tem cinco palavras e as galinhas são aves» é evidentemente uma
proposição falsa, uma vez que esta nova proposição constitui uma frase com
mais de cinco palavras. Ao que tudo indica, este exemplo parece sugerir que,
em certos casos, se tem:
CONJUNÇÃO??
|
||
p
|
q
|
p Λ q
|
V
|
V
|
F
|
No exemplo, inspirado no
anterior, as proposições «Esta frase tem dez palavras» e «As
galinhas são répteis» lidamos com duas proposições falsas. A sua
disjunção «Esta frase tem dez palavras ou as galinhas são répteis»
é uma proposição verdadeira. Parece então que encontrámos um exemplo onde:
DISJUNÇÃO??
|
||
p
|
q
|
p V q
|
F
|
F
|
V
|
Mesmo na negação, com um
pouco de dedicação, vamos encontrar casos estranhos. A proposição «Esta
frase tem seis palavras» é evidentemente falsa. A sua negação «Esta
frase não tem seis palavras» é, como é evidente, falsa também. E
agora? Até a negação, aquela regra de inferência com que lidamos desde muito
cedo, apresenta falhas? Parece que encontrámos um caso onde:
NEGAÇÃO??
|
|
p
|
¬p
|
F
|
F
|
Não se deixe iludir pelos
últimos exemplos. As frases que utilizei são inconcebíveis e não
devem ser formuladas num discurso coerente. Mesmo esta última frase
que escrevi é uma frase inconcebível uma vez que as frases
exemplificadas não devem ser chamadas de “frases”. E a última frase é
também inconcebível pois denomina por “frase” uma coisa que não o é.
Se pretender, pode elevar o
grau da metalinguagem referindo indefinidamente a recorrência utilizada no
parágrafo anterior. Se conseguir prosseguir, então parabéns… O leitor é um
génio…!
Para resolver este tipo de
questões, o famoso matemático e filósofo britânico Bertrand Russel (1872 –
1970) desenvolveu a famosa Teoria dos Tipos. Trata-se de, no fundo, uma
teoria matemática de Conjuntos mas perfeitamente aplicável à teoria das
Proposições. Para Russel, as proposições devem ser colocadas numa hierarquia
de valores lógicos. Assim, uma proposição nunca se deve referir a si
própria, nem quanto ao seu valor lógico nem quanto à sua estrutura. Os
conjuntos de palavras que exemplifiquei anteriormente (atrever-me-ei a
chamar-lhes de frases e recomeçar aquele ciclo vicioso???) pura e
simplesmente não são frases. Portanto se alguém lhe disser «Esta frase
tem cinco palavras» pode responder com «Isso, para começar,
nem sequer é uma frase» elevando a metalinguagem elegantemente
dizendo em seguida «E a última frase que disse tem oito palavras».
Se pretender ser ainda mais elegante, prossiga com «E a última frase
que disse tem vinte palavras» concluindo coerentemente com uma
metalinguagem ainda superior «A minha última frase é falsa».
Claro que há mais
partículas que ligam duas (ou mais) proposições, entre as quais as
implicações (partícula: “então”), os condicionais (partícula:
“se”), as equivalências (partícula: “se e apenas se”) e as
disjunções exclusivas (partícula: “Ou... ou”). Todas estas, no entanto,
podem decompor-se em conjunções, disjunções e negações. Para perceber como
funcionam, temos as seguintes tabelas de verdade:
IMPLICAÇÃO
|
CONDICIONAL
|
EQUIVALÊNCIA
|
OU EXCLUSIVO
|
||
p
|
q
|
p => q | p <= q | p <=> q | p V q |
V
|
V
|
V
|
V
|
V
|
F
|
V
|
F
|
F
|
V
|
F
|
V
|
F
|
V
|
V
|
F
|
F
|
V
|
F
|
F
|
V
|
V
|
V
|
F
|
No campo das implicações
encontramos alguns exemplos à primeira vista absurdos. Regressemos às
classificações taxionómicas das galinhas e dos gatos:
●
Se as
galinhas são aves então os gatos são mamíferos,
●
Se as galinhas
são aves então os gatos são anfíbios,
●
Se as galinhas
são répteis então os gatos são mamíferos
ou
●
Se as galinhas
são répteis então os gatos são anfíbios
Note que, de entre estes
exemplos, apenas um diz respeito a uma proposição falsa: «Se as
galinhas são aves então os gatos são anfíbios». As restantes são
verdadeiras. É também neste parágrafo que relembro a proposição «Se as
bolas de futebol são cúbicas então o rio Tejo nasce na Serra da Estrela»
que garanti no início deste tópico ser verdadeira (consegue perceber
porquê?!). Bem…! Na realidade, explicar o porquê de tal acontecer não é
fácil. Mas vou tentar… Certamente que não é complicado analisar as duas
primeiras proposições que começam com «Se as galinhas são aves então…».
Naturalmente que «As galinhas são aves» é uma proposição
verdadeira. Se uma implicação começa com uma proposição verdadeira o seu
valor lógico final dependerá apenas do valor lógico da proposição implicada.
Daí a proposição ser verdadeira se terminar com «…os gatos são
mamíferos» e falsa se terminar com «…os gatos são anfíbios».
Mesmo a última proposição «Se as galinhas são répteis então os gatos
são anfíbios» não oferece dificuldades de maior. Ora se, realmente,
nem as galinhas são répteis nem os gatos são anfíbios, é de esperar que o
facto da falsidade da primeira proposição implicar a falsidade da segunda,
seja, de facto, um facto verdadeiro…!!!
O problema reside na
terceira linha da respectiva tabela de verdade ou na terceira proposição
apresentada «Se as galinhas são répteis então os gatos são mamíferos».
No entanto, tal como na última proposição exemplificada, quando a proposição
antecedente é falsa o resultado é sempre verdadeiro, independentemente do
valor lógico da proposição consequente. Isto porque não é usual utilizar
implicações quando se sabe que, à priori, que a proposição antecedente é
falsa. Contudo, a conclusão EM SI, e não as proposições individuais, é
verdadeira em ambos os casos.
Nos condicionais
deparamo-nos com implicações em “sentido contrário”. As justificações são,
em geral, idênticas ao caso anterior. Basta concluir que, por exemplo, dizer
que «Se as galinhas são aves então os gatos são mamíferos» é o
mesmo que dizer que «Os gatos são mamíferos se as
galinhas são aves». As quatro frases seguintes ditam as implicações
em sentido contrário das anteriores:
●
As
galinhas são aves se os gatos são mamíferos,
●
As galinhas
são aves se os gatos são anfíbios,
●
As galinhas
são répteis se os gatos são mamíferos
ou
●
As galinhas
são répteis se os gatos são anfíbios
As equivalências, ou
implicações em sentido duplo, são verdadeiras nos casos em que ambas as
proposições têm o mesmo valor lógico e falsas caso contrário.
●
As
galinhas são aves se e só se os gatos são mamíferos,
●
As galinhas
são aves se e só se os gatos são anfíbios,
●
As galinhas
são répteis se e só se os gatos são mamíferos
ou
●
As galinhas
são répteis se e só se os gatos são anfíbios
Destas equivalências, a
primeira e a última são verdadeiras porque, em ambos os casos, conjugámos
proposições simultaneamente verdadeiras (primeira proposição) ou
simultaneamente falsas (última proposição). As restantes são proposições
falsas pois envolvem proposições com valores lógicos diferentes.
Finalmente, relativamente à
disjunção exclusiva, temos proposições verdadeiras apenas quando lidamos com
uma proposição verdadeira e uma proposição falsa. De uma forma muito
grosseira trata-se da situação contrária à equivalência.
●
Ou as
galinhas são aves ou os gatos são mamíferos,
●
Ou as galinhas
são aves ou os gatos são anfíbios,
●
Ou as galinhas
são répteis ou os gatos são mamíferos
ou
●
Ou as galinhas
são répteis ou os gatos são anfíbios
Relembre que «A Terra
é um planeta» e « 5⁸ = 390 625 » são proposições verdadeiras
e verifique se consegue determinar a veracidade das seguintes proposições:
A
TERCEIRA ORDEM DA METALINGUAGEM
O degrau
seguinte.
Vamos agora um pouco mais
longe (ainda???) e analisar as várias relações existentes entre as regras de
inferência utilizadas no último tópico. É nesta fase que vamos encontrar as
tautologias e as contradições, proposições de terceira
metalinguagem verdadeiras ou falsas, respectivamente. Uma tautologia
define-se então como uma proposição verdadeira independentemente do valor
lógico das proposições de primeira metalinguagem nelas envolvidas. Nas
mesmas condições, uma contradição é sempre uma proposição falsa. É nesta
fase que vamos encontrar várias formas equivalentes de afirmar o mesmo.
Depois da análise da equivalência, se encontrarmos uma tautologia então
estamos perante um novo teorema, uma nova lei, uma nova conclusão viável.
Uma vez que a negação de uma tautologia é uma contradição, e vice-versa, o
cenário é idêntico caso nos deparemos com conclusões sempre falsas.
• COMUTATIVIDADE
Daqui agora resulta novo
conjunto de regras e frases ainda mais estranhas. Uma das regras mais
simples é a comutatividade. Esta aplica-se tanto às conjunções como
às disjunções e limita-se a afirmar que, tanto uma como outra, não altera o
seu valor lógico quando trocamos as proposições entre si.
●
As
galinhas são aves e os gatos são mamíferos se e só se os gatos são mamíferos
e as galinhas são aves,
●
As galinhas
são aves e os gatos são anfíbios se e só se os gatos são anfíbios e as
galinhas são aves,
●
As galinhas
são répteis e os gatos são mamíferos se e só se os gatos são mamíferos e as
galinhas são répteis
ou
●
As galinhas
são répteis e os gatos são anfíbios se e só se os gatos são anfíbios e as
galinhas são répteis
Todas as proposições
anteriores são verdadeiras (consegue perceber porquê?). Agora, no novo
degrau metalinguístico, não é a classe das galinhas nem a classe dos gatos
que interessam ao valor lógico de toda a proposição. O que interessa à
terceira metalinguagem é se o valor lógico da proposição antecedente «As
galinhas são… e os gatos são…» é, ou não, igual ao valor lógico da
proposições consequente «Os gatos são… e as galinhas são…»
sejam elas verdadeiras ou falsas. No que diz respeito às disjunções a regra
é similar:
●
As
galinhas são aves ou os gatos são mamíferos se e só se os gatos são mamíferos
ou as galinhas são aves,
●
As galinhas
são aves ou os gatos são anfíbios se e só se os gatos são anfíbios ou as
galinhas são aves,
●
As galinhas
são répteis ou os gatos são mamíferos se e só se os gatos são mamíferos
ou as
galinhas são répteis
ou
●
As galinhas
são répteis ou os gatos são anfíbios se e só se os gatos são anfíbios
ou as
galinhas são répteis
As
tabelas de verdade ficam com a forma:
COMUTATIVIDADE
DA CONJUNÇÃO
|
||||
p
|
q
|
p Λ q
|
q Λ
p
|
(p Λ q)<=>
(q Λ
p)
|
V
|
V
|
V
|
V
|
V
|
V
|
F
|
F
|
F
|
V
|
F
|
V
|
F
|
F
|
V
|
F
|
F
|
F
|
F
|
V
|
COMUTATIVIDADE
DA DISJUNÇÃO
|
||||
p
|
q
|
p V q
|
q V
p
|
(p V q)<=>
(q V
p)
|
V
|
V
|
V
|
V
|
V
|
V
|
F
|
V
|
V
|
V
|
F
|
V
|
V
|
V
|
V
|
F
|
F
|
F
|
F
|
V
|
Note que, na última coluna
de ambas as tabelas apenas surgem V’s, o que significa que estamos
perante tautologias. Entre outros exemplos temos ainda as propriedades
(explícitas de uma forma resumida):
• IDEMPOTÊNCIA
●
As
galinhas são aves se e só se as galinhas são aves
e as galinhas são aves
ou
●
As
galinhas são répteis se e só se as galinhas são répteis
e as galinhas são répteis
IDEMPOTÊNCIA
DA CONJUNÇÃO
|
||
p
|
p Λ p
|
p
<=>
(p
Λ
p)
|
V
|
V
|
V
|
F
|
F
|
V
|
●
As
galinhas são aves se e só se as galinhas são aves ou as galinhas são aves
ou
●
As
galinhas são répteis se e só se as galinhas são répteis ou as galinhas são
répteis
IDEMPOTÊNCIA
DA DISJUNÇÃO
|
||
p
|
p V p
|
p
<=>
(p
V
p)
|
V
|
V
|
V
|
F
|
F
|
V
|
• DUPLA NEGAÇÃO
●
As
galinhas são aves se e só se for mentira que as galinhas não são aves
ou
●
As
galinhas são répteis se e só se for mentira que as galinhas não são répteis
DUPLA NEGAÇÃO
|
|||
p
|
¬p
|
¬(¬p)
|
p
<=>
[¬(¬p)]
|
V
|
F
|
V
|
V
|
F
|
V
|
F
|
V
|
• ASSOCIATIVIDADE
●
As
galinhas e os gatos são, respectivamente, aves e mamíferos e os gafanhotos
são insectos se e só se as
galinhas são aves
e os gatos e os gafanhotos são, respectivamente, mamíferos
e insectos,
●
As
galinhas e os gatos são, respectivamente, aves e mamíferos e os gafanhotos
são peixes se e só se as
galinhas são aves
e os gatos e os gafanhotos são, respectivamente, mamíferos
e peixes,
●
As
galinhas e os gatos são, respectivamente, aves e anfíbios e os gafanhotos
são insectos se e só se as
galinhas são aves
e os gatos e os gafanhotos são, respectivamente, anfíbios
e insectos,
●
As
galinhas e os gatos são, respectivamente, aves e anfíbios e os gafanhotos
são peixes se e só se as
galinhas são aves
e os gatos e os gafanhotos são, respectivamente, anfíbios
e
peixes,...
ASSOCIATIVIDADE
DA CONJUNÇÃO
|
|||||||
p
|
q
|
r
|
p Λ q
|
(p Λ q) Λ
r
|
q Λ
r
|
p Λ (q Λ
r)
|
[(p Λ q) Λ
r]
<=>
[p Λ (q Λ
r)]
|
V
|
V
|
V
|
V
|
V
|
V
|
V
|
V
|
V
|
V
|
F
|
V
|
F
|
F
|
F
|
V
|
V
|
F
|
V
|
F
|
F
|
F
|
F
|
V
|
V
|
F
|
F
|
F
|
F
|
F
|
F
|
V
|
F
|
V
|
V
|
F
|
F
|
V
|
F
|
V
|
F
|
V
|
F
|
F
|
F
|
F
|
F
|
V
|
F
|
F
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V
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F
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F
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F
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F
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V
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F
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F
|
F
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F
|
F
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F
|
F
|
V
|
●
As
galinhas ou os gatos são, respectivamente, répteis e mamíferos ou os
gafanhotos são insectos se e só se as galinhas são répteis ou os gatos ou os
gafanhotos são, respectivamente, mamíferos
e insectos,
●
As
galinhas ou os gatos são, respectivamente, répteis e mamíferos ou os
gafanhotos são peixes se e só se as galinhas são répteis ou os gatos ou os
gafanhotos são, respectivamente, mamíferos
e peixes,
●
As
galinhas ou os gatos são, respectivamente, répteis e anfíbios ou os
gafanhotos são insectos se e só se as galinhas são répteis ou os gatos ou os
gafanhotos são, respectivamente, anfíbios
e insectos,
●
As
galinhas ou os gatos são, respectivamente, répteis e anfíbios ou os
gafanhotos são peixes se e só se as galinhas são répteis ou os gatos ou os
gafanhotos são, respectivamente, anfíbios
e
peixes,...
ASSOCIATIVIDADE
DA DISJUNÇÃO
|
|||||||
p
|
q
|
r
|
p V q
|
(p V q) V
r
|
q V
r
|
p V (q V
r)
|
[(p V
q) V
r]
<=>
[p V
(q V
r)]
|
V
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V
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V
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V
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V
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V
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V
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V
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V
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V
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F
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V
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V
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V
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V
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V
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V
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V
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V
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F
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V
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F
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V
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V
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V
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V
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V
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V
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V
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F
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V
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F
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V
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V
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V
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V
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F
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F
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V
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F
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V
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V
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V
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V
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F
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F
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F
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F
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F
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F
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F
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V
|
Poderia prosseguir com inúmeras
regras e tautologias, mas isso tornar-se-ia demasiado exaustivo. Assim, com o
intuito de prosseguir ao encontro da introdução deste post, apresentarei
apenas mais uma inferência: a contra-recíproca:
• CONTRA-RECIPROCIDADE
A tautologia que diz
respeito à proposição contra-recíproca é, sem dúvida, uma das mais
utilizadas regras na obtenção de demonstrações em matemática. Para quem não
sabe, uma demonstração é uma prova de um teorema ou, mais geralmente, de uma
proposição verdadeira. Utiliza o facto da implicação num certo sentido ser
logicamente equivalente à implicação no sentido contrário das negações das
proposições iniciais. Utilizemos uma implicação simples da forma «Todos
os gatos miam». Claro que se trata de uma implicação uma vez que é
uma frase verbalmente simplificada de «Se uma coisa é um gato então
essa coisa mia». A proposição contra-recíproca desta é a frase
Se uma coisa não mia então essa coisa não é gato» ou, de uma
forma mais simples «Se não mia, não é gato». A tabela de
verdade que justifica esta tautologia é:
CONTRA-RECIPROCIDADE
|
||||
p
|
q
|
p
=> q
|
¬q
=> ¬p
|
(p
=> q)<=>
(¬q
=> ¬p)
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V
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V
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V
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V
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V
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V
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F
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F
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F
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V
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F
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V
|
V
|
V
|
V
|
F
|
F
|
V
|
V
|
V
|
Voltemos aos gatos e às
galinhas:
●
As
galinhas são aves implica que os gatos são mamíferos se e só se os gatos não são mamíferos
implica que as galinhas não são aves,
●
As
galinhas são aves implica que os gatos são anfíbios se e só se os gatos não
são anfíbios implica que as galinhas não são aves,
●
As galinhas
são répteis implica que os gatos são mamíferos se e só se os gatos não são
mamíferos implica que as galinhas não são répteis
ou
●
As galinhas
são répteis implica que os gatos são anfíbios se e só se os gatos não são
anfíbios implica que as galinhas não são répteis
É nesta altura que o leitor tem a
legitimidade de escrever um novo destino na sua barra de endereços. Eu
compreendo! Contudo, para os mais resistentes, garanto que a coisa vai
melhorar... Na realidade, se desistir agora, vai perder conclusões
interessantíssimas. Claro que poderia dizer que vai ter a oportunidade de ler
tais conclusões se prosseguir a sua leitura... Mas a contra-recíproca parece-me
mais persuasiva, não acha?
A veracidade de uma regra de inferência em
metalinguagem de terceira ordem pode conduzir-nos a questões surpreendentemente
falaciosas quando as tratamos no campo do raciocínio indutivo. Se não, vejamos:
A INDUÇÃO CONTRA-RECÍPROCA
Porque é que os elefantes são vermelhos?!
Ora, se bem se lembra, a veracidade de uma
proposição justifica-se, por indução, pela quantidade enorme de exemplos que
observamos no nosso dia-a-dia. Relembro-lhe que admite-se que
«As bolas de futebol
são redondas» é uma proposição verdadeira porque nunca se viu uma
bola de futebol que não fosse redonda. Da mesma forma poder-se-á concluir que «Os
elefantes são cinzentos», «Os pianos têm 88 teclas» e «Os
pinguins vivem no Pólo Sul» são proposições verdadeiras.
Note agora que, se assistir a um jogo de
futebol esta noite, vai, quase de certeza, ver pela primeira vez na sua vida
aquela bola em jogo. Trata-se de mais um exemplo que reforça a ideia de
«As bolas de futebol
são redondas» ser uma proposição verdadeira. Isto significa que, à
medida que se fabricam cada vez mais bolas de futebol, cada vez mais se verifica
a veracidade da proposição.
Mas... E a contra-recíproca desta? Ora a
frase
«Coisas não redondas
não são bolas de futebol» é equivalente à frase «As bolas de futebol
são redondas». Então isso garante que, sempre que vê uma coisa não
redonda, está, na realidade, a reforçar o facto das bolas de futebol serem
redondas... Estranho? Vejamos: Uma tesoura não é redonda. Será uma bola de
futebol? Evidentemente que não...
Desta forma, as coisas que não são cinzentas
não são elefantes (uma nuvem branca não é um elefante), as coisas que não têm 88
teclas não são pianos (as calculadoras básicas não são pianos) e os animais que
não vivem no Pólo Sul não são, evidentemente, pinguins (os pandas não vivem no
Pólo Sul e não são pinguins). A nuvem, a calculadora básica e o panda reforçam
então a veracidade das afirmações verdadeiras acerca dos elefantes, dos pianos e
dos pinguins, respectivamente. Mas agora é que a porca vai torcer o rabo (tantos
animais e ainda não tinha referido o porco...!!!).
Já vimos que a contra-recíproca da frase
«As bolas de futebol
são redondas» é a proposição «Coisas não redondas não são
bolas de futebol». Independentemente do seu valor lógico, a
contra-recíproca de «As bolas de futebol
são cúbicas» é a proposição «Coisas não cúbicas não são bolas
de futebol». Vimos também que uma tesoura não é redonda e, portanto, não
pode ser uma bola de futebol. Mas também não é cúbica... E isso significa que a
forma de uma tesoura tanto prova que «As bolas de futebol
são redondas» como «As bolas de futebol
são cúbicas». Como pode uma certa proposição provar indutivamente
duas coisas tão incompatíveis? Além, claro está, provar indutivamente uma
proposição evidentemente falsa (espero que não esteja a pensar que estou a
tentar demonstrar que as bolas de futebol são cúbicas...!).
Desta forma, todas as nuvens que observámos
na nossa vida visam provar que
«Os elefantes são
vermelhos». Todas as máquinas de calcular que vemos nas lojas dos
chineses reforçam a ideia de que «Os pianos têm apenas 12 teclas».
E aqueles pandas giríssimos que aparecem no National Geographic?
Dizem-nos que afinal os pinguins vivem no Pólo Norte??
Como resolver esta questão? Por esta ordem de
ideias temos:
CONTRA-RECIPROCIDADE INDUTIVA
|
|
nuvens brancas
|
provam que:
|
●
os elefantes são vermelhos
|
|
●
os
leopardos são roxos
|
|
●
os
melros são cor-de-rosa
|
|
●
os
grilos são verdes
|
calculadoras básicas
|
provam que:
|
●
os pianos têm apenas 12 teclas
|
|
●
os computadores têm infinitas
teclas
|
|
●
os telecomandos têm 2.327 teclas
|
|
●
os telemóveis têm duas teclas e
meia
|
pandas
|
provam que:
|
●
os pinguins vivem no Pólo Norte
|
|
●
os coalas vivem no fundo do mar
|
|
●
os chimpanzés vivem no Evereste
|
|
●
os seres humanos vivem na Lua
|
Esta questão filosófica resolve-se,
segundo o autor deste fantástico paradoxo Carl Gustav Hempel
(1905 – 1997), pela
dimensão pouco significativa dos objectos que não são cinzentos em relação
aos elefantes. Digamos que um elefante cinzento tem mais peso na veracidade
da proposição do que uma nuvem branca. Isto porque, no Universo, existem
indiscutivelmente muitos mais objectos não cinzentos do que elefantes. Sendo
assim, uma nuvem branca prova, de facto, que um elefante é cinzento. Fá-lo,
no entanto, a uma escala infinitesimal.
Há contudo quem contra-argumente e defenda
que, se realmente existem muitos mais objectos não cinzentos do que elefantes,
na sua totalidade provam tanto, ou ainda mais, que os elefantes são cinzentos.
Mas desta forma, a quantidade considerável de objectos não vermelhos que existe
no Universo demonstra que os elefantes são, de facto, vermelhos...
Mesmo que tome o partido de Hempel e acredite
que APENAS elefantes cinzentos PODEM PROVAR que os elefantes são cinzentos,
prometo-lhe ainda uma última surpresa.
O VALOR
LÓGICO DESCONHECIDO
A falha da indução.
Para quem o paradoxo de Hempel não passa de
uma curiosidade e não deve ser levado a sério, há ainda um pormenor adjacente a
todos os elefantes cinzentos que provam precisamente que os elefantes são
cinzentos que lhe pode dar a volta à cabeça. Isso porque os incontáveis
elefantes cinzentos que já foram observados podem também provar outras coisas...
Defina-se uma nova cor. Uma cor especial...
Com propriedades especiais. Chamemos-lhe "cinzemelho". A este novo termo, vamos
atribuir o conceito:
●
Cinzemelho (pl. cinzemelhos) – um objecto cinzemelho tem a
capacidade de ser cinzento antes do ano de 2020 d.C. e vermelho depois dessa
mesma data.
Tal como um edifício velho ou uma ponte
deteriorada, o conceito básico de Raciocínio Indutivo está prestes a ruir. Neste
momento é fácil de ver que as proposições
«Os elefantes são
cinzentos» e «Os elefantes são
cinzemelhos» estão IGUALMENTE provadas. Tal significa que, se eu disser
a alguém que os elefantes são cinzemelhos (depois de expor o conceito de
cinzemelho), não pode haver quem diga que estou a ficar maluco pois, na verdade,
todos os elefantes já observados são cinzemelhos.
Estas conclusões permite também afirmar que
«Os diamantes são
duproquebradiços» ou que «Os computadores são ambipalpotentes».
Basta, para o efeito, definir convenientemente os termos:
●
Duproquebradiço (pl. duproquebradiços) – um objecto
duproquebradiço tem a capacidade de ser duro na nossa galáxia e quebradiço
na galáxia mais próxima, a galáxia de Andrómeda.
●
Ambipalpotente (pl. duproquebradiços) – um objecto
ambipalpotente tem a capacidade de funcionar quando o tempo está parado.
Tenha em conta que, no campo da Dedução não
existe absurdo algum (mas serão estas últimas proposições realmente absurdas?!).
Para o Raciocínio Dedutivo estas afirmações detêm um valor lógico desconhecido,
isto é, não se sabe se são verdadeiras ou falsas. Tenha em conta também,
contudo, que
«Os elefantes são
cinzentos» é também uma proposição que não se sabe ser verdadeira ou
falsa. Não se pode concluir nada acerca da cor dos elefantes a nível dedutivo
uma vez que, evidentemente, poderá haver um elefante vermelho algures (ainda não
visto por ninguém) que deite por terra a lei que assegurávamos ser correcta.
A maior parte das pessoas poderão pensar que
este tipo de conclusões são tiradas por alguém com muito tempo livre. Esta
"conversa fiada" não nos leva a lado algum e não constitui qualquer benefício à
humanidade. No entanto, lamento desiludir essas pessoas. Os efeitos destas
conclusões não afectam naturalmente o nosso dia-a-dia nem a nossa conversação
natural. Mas são importantíssimas no desenvolvimento de um ambiente que seja
coerente para o avanço das ciências. O conhecimento científico baseia-se na
observação. Inúmeras experiências, no entanto, não podem concluir nada como
certo. Se eu deixar cair uma maçã no chão vezes sem conta, não posso concluir,
apenas a partir desse facto, que ela irá sempre cair. Indutivamente, claro que
sei que isso irá sempre acontecer... Mas já vimos que indutivamente os elefantes
são cinzemelhos, portanto... Resta-lhe a si fazer o seu juízo de valor e
acreditar que a maçã vai cair no chão graças à Lei da Gravitação Universal de
Newton, provada por dedução e não por indução.
Apesar de tudo, é bastante reconfortante
saber que os seres humanos conseguem pensar numa metalinguagem de terceira
ordem. Este estudo baseia-se no mecanismo do raciocínio. Raramente conseguimos
elevar o nível metalinguístico e, felizmente, também não precisamos de fazê-lo
com frequência... Sinceramente acho que é esta nossa capacidade que nos
distingue dos outros animais: a capacidade de estruturar a nossa forma de
pensar, de raciocinar acerca do raciocínio em si. Talvez a raça humana evolua
para metalinguagens mais avançadas... Uma metalinguagem que termine com as
falhas da dedução e da indução de uma vez por todas. Os filósofos lógicos de
hoje em dia discutem a possibilidade de um novo sistema, em quarta
metalinguagem, que nos garanta que os elefantes são, afinal de contas,
cinzentos. Para tal, no entanto, é necessário criar novas regras de inferência
que estudem a veracidade na conjugação de tautologias e de contradições
(conjugações difíceis de imaginar pois têm que ser estruturalmente diferentes
das inferências de segunda ordem). Passamos ao nível em que não interessa se o
elefante é cinzento ou vermelho... Nem interessa a legitimidade da forma como
concluímos a cor do elefante. Consegue imaginar esse cenário? Consegue
visualizar o que vai interessar então? Neste novo sistema vai entrar tudo em
colapso (ainda maior) e propriedades tão simples como a comutatividade e a
idempotência vão deixar de ter valor. A meu ver, no entanto, a questão dos
elefantes vermelhos, resolve-se com o seguinte postulado em quarta
metalinguagem:
●
Incoerência transitiva – uma implicação (indutivamente concluída) não
pode ser considerada se não for consistentemente transitiva (uma maçã
vermelha não prova, efectivamente, que os elefantes são vermelhos; prova, no
entanto, que as nuvens são brancas que, por sua vez, prova que os elefantes
são vermelhos).
É necessário criar uma lei que não permita
que os elefantes sejam vermelhos pois vai ser importante da demonstração dos
elefantes não serem cinzemelhos.
●
Implicações inválidas de proposições com valor lógico desconhecido –
a observação de uma lei tem tanto peso na sua veracidade como a observação
da sua contra-recíproca desde que consistentemente transitiva (um objecto – excepto se for um
elefante – não cinzemelho prova que os elefantes são cinzemelhos;
retirados os objectos cinzentos da indução dada a incoerência transitiva,
restam-nos os objectos que sabemos não serem cinzemelhos).
Estas duas definições, criadas por mim
especialmente para este post, resolvem toda a questão em volta da cor dos
elefantes. Se compreendeu a sua implicação, então os meus parabéns... E
bem-vindo à metalinguagem de quarta ordem...!